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23/10/20

Sinais contra as instituições

O episódio envolvendo a jornalista Patrícia Campos Mello, acusada de assédio sexual por um ex-funcionário de uma empresa de disparo de whatsapp e vulgarmente citada pelo presidente Bolsonaro em mais uma de suas entrevistas em que atropela a liturgia do cargo que ocupa, suscita algumas reflexões. Com consequências nada positivas para a sociedade brasileira em tempos de fake news e insegurança em relação a nossa própria reputação. Mas vamos primeiramente ao caso.

Uma jornalista de renome, formada pela USP, premiada e com livro lançado, experiência em cobertura de guerra no exterior e trabalhando para um dos principais jornais do país, a Folha de S. Paulo, para quem investigava o submundo das fake news nas eleições de 2018, se vê acusada por um ex-funcionário de uma empresa de disparos de whatsapp, em depoimento a uma CPI, de que teria se insinuado sexualmente em troca de informações ou acusações falsas. Em seguida, o filho número 3 do presidente posta a acusação nas mídias sociais, repercutida instantaneamente pela milícia virtual bolsonarista. E, para coroar o perverso enredo, o próprio primeiro mandatário tripudia da informação fazendo trocadilho de botequim – dar o furo -, o que ele considera uma piada saudável, desrespeitando toda e qualquer mulher.

Podemos dizer que não pomos a mão no fogo por ninguém, mas as evidências nesse caso são gritantes. O acusador, Hans River, mentiu numa CPI e nos leva a concluir que está recebendo algo em troca, pago por alguém, para se expor dessa maneira em rede nacional. Um crime que não pode ficar impune após sua devida investigação. Para Patrícia, uma profissional acostumada a enfrentar o perigo em zonas de conflito, não deve ser fácil ver seu nome e carreira vilipendiados na internet. Por mais que ela apresente fatos e informações que desmintam a acusação, essa permanece latente e lastreada em notícias falsas e mensagens de whatsapp que infestam a rede. A versão e o fato se misturam e confundem a compreensão real do que de fato aconteceu, realçando a polarização e enfraquecendo um dos pilares de democracia: a imprensa.

Fui entender o outro lado. A jornalista da Folha investigou o uso do whatsapp nas eleições de 2018 e publicou uma matéria assinada, pouco antes do 2º turno, informando que empresários bancavam o envio ilegal de mensagens contra o PT pelo aplicativo. Os bolsonaristas consideraram o conteúdo, mais do que parcial, um ataque direto ao candidato do PSL orquestrado por uma militante petista. Isto porque, em 2013, Patrícia havia gravado um depoimento dizendo-se de esquerda e que sempre votara no PT. Esse vídeo, editado e descontextualizado, viralizou na internet. Além disso, um depoimento de Marcelo Odebrecht, depois que o empreiteiro começou a colaborar com a Lava Jato, dizia que o ex-ministro Guido Mantega lhe pedira recursos para a revista Brasileiros, cujo responsável era Helio Campos Mello, pai de Patrícia. Uma publicação, claro, amigável ao PT.

Diante disso, os bolsonaristas elegeram Patricia uma inimiga a ser combatida não importando os meios. Ela foi ameaçada de morte e perseguida implacavelmente na internet já que suas matérias nas eleições ajudaram a criar uma CPI sobre as fake news. E foi nessa comissão que apareceu agora em fevereiro Hans River com a informação de que Patrícia tentara arrancar dele denúncias falsas contra Bolsonaro em troca de sexo, repercutidas de forma chula pelo presidente em tom de vingança e lição de moral.

A impressão que fica é a de um vale-tudo, ou seja, o de acirrar o conflito desqualificando o adversário a qualquer custo. Os bolsonaristas tinham e têm todos os motivos para duvidar da isenção de Patrícia para produzir matérias nas eleições, e assim explicitar suas suspeitas. Mas se utilizar das milícias digitais para ameaçar, difundir notícias falsas e agora, ao que tudo indica, “induzir” um depoimento mentiroso na CPI, demonstra que todas as fronteiras éticas foram ultrapassadas e que na disputa pelo poder, qualquer arma é válida.

A primeira vítima nesse tipo de comportamento, depois da própria jornalista, é a imprensa. Enfraquecer esta instituição significa debilitar a democracia, pois sem jornais, revistas, emissoras de rádio e TV e veículos digitais com força, respeito e segurança para trabalhar e produzir conteúdo de qualidade, devidamente apurado, abre-se um profícuo caminho para o autoritarismo. Sem uma imprensa heterogênea e atuante, as demais instituições também tendem a perder musculatura pois se sentirão inibidas para enfrentar ameaças e campanhas digitais difamatórias. Jair Bolsonaro, ao ofender jornalistas e lhes mostrar uma banana, mostra-se novamente despreparado para seguir a liturgia de uma cadeira presidencial, brinca de ditador e dá maus exemplos à República.

Imagine o leitor um aluno repreendido por uma professora ou um funcionário de uma empresa demitido por justa causa por uma chefa. Por que não acusar essa mulher de assédio sexual? Provas? Para que? Basta fazer um post mentiroso nas redes sociais e enviar para alguns grupos de whatsapp. Dessa maneira, vamos perdendo os avanços de civilidade que conquistamos às duras penas nas últimas décadas e séculos. Pois é, vivemos tempos difíceis e também de aprendizado, o que nos torna responsáveis por não aceitar determinados comportamentos. No caso de Patrícia, houve sim uma mobilização de indignação da sociedade, o que é muito positivo.

Vamos então fazer a nossa parte e não colocar em risco a jovem democracia brasileira produzindo ou espalhando notícia falsa. Já é alguma coisa!

Gustavo Junqueira Jr / Jornalista

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